Como a Bélgica se tornou um criadouro de terroristas

 O terror que vive a Bélgica desde os ataques terroristas da semana passada parece estar longe do  fim, uma vez que as autoridades do país ainda lutam para conseguir  montar o quebra-cabeça que foi o planejamento desses atos, identificar  os seus autores e determinar as suas ligações aos atentados em Paris em novembro do ano passado. 
A intensidade e abrangência dos ataques revelaram a existência de uma sofisticada rede terrorista em operação no coração da Europa.  Expuseram também a fragilidade da atuação do governo belga na prevenção  e na contenção do fenômeno jihadista que toma conta do país, o europeu  com o maior número per capita de militantes na Síria e no Iraque  combatendo ao lado do grupo Estado Islâmico (EI).
         
    
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De acordo com o Centro de Estudos de Radicalização e Violência Política (ICRS)  da King’s College de Londres, ao menos 500 belgas viajaram para os  territórios dominados pelo EI com a intenção de participar da luta pelo  estabelecimento do califado. “Esse número é duas vezes maior que o  registrado na França e quatro vezes maior que o do Reino Unido”,  comentou a EXAME.com o Dr. Shiraz Maher, pesquisador do ICRS especializado no tema.
Tais constatações trouxeram à tona um questionamento inevitável: como,  afinal, a Bélgica se tornou um reduto terrorista e um criadouro de  jihadistas? Essa resposta é complexa e envolve uma série de fatores que  incluem aspectos históricos, sociais e até geográficos desse pequeno  país.
Terrorismo belga
Até então poupada de ataques, a Bélgica há tempos é ligada às atividades  terroristas que aconteceram em outros países da Europa nos últimos  anos. Guy Van Vlierden, jornalista belga que escreve no blog EmmeJihad, mostrou que  a célula terrorista de radicais marroquinos por trás dos atentados ao  metro de Madri, Espanha, em 2004, operavam da cidade de belga de  Maaseik, que fica a pouco mais de 100 quilômetros de Bruxelas. Esse é  apenas um dos vários exemplos apurados por ele. 
Um dos grupos proeminentes do país no que diz respeito ao recrutamento  de jovens para a guerra na Síria chamava-se Sharia4Belgium, que encerrou  as atividades em 2012 após jurar lealdade ao EI.  Van Vlierden realizou uma extensa pesquisa acerca do surgimento desse  grupo, cujo líder Fouad Belkacem está preso desde o ano passado.
Segundo ele, pouco se sabe sobre as ligações estrangeiras que o  Sharia4Belgium contava, mas sua investigação revelou que muitos de seus  membros participaram de outra facção, mais abrangente, e que atuou na  Bélgica, Holanda e na França. Ela teria sido liderada por Amr al-Absi,  uma das figuras-chave na ascensão do EI.
Quando muitos deles deixaram a Bélgica para a Síria ou Iraque,  continuaram em contato com amigos e familiares ávidos por histórias de  aventuras, embora menos radicalizados. “E uma das consequências disso é  que hoje há um número considerável de jovens belgas expostos às  mensagens extremistas e que consideram esses atos (terroristas)  aceitáveis”, escreveu Van Vlierden.
Contexto atual
“Não é fora do comum que terroristas ataquem outras cidades, enquanto  mantém as suas longe da violência”, explicou Rebecca Zimmerman, analista  da RAND Coporation. “É o que vimos na outra semana: Bruxelas aparentava  ser pacífica (com exceção dos atos no Museu Judaico em 2014), mas isso  só mascarou o que acontecia”.
Dono de uma comunidade muçulmana diversa, marginalizada em termos  sociais e econômicos, e com um governo disfuncional, o país acabou por  ganhar pontos nos quais a presença do Estado é mínima, como o bairro de  Bruxelas chamado Molenbeek.
Com pouco menos de seis mil quilômetros quadrados de área e ocupado por  uma maioria de imigrantes de diferentes origens, é conhecido como um  local no qual o tráfico de drogas e a violência são a regra. É também o  bairro no qual cresceram alguns dos terroristas envolvidos nos ataques  na capital belga na última semana, nos que ocorreram em Paris em  novembro passado e também no massacre ao satírico francês Charlie Hebdo  em janeiro de 2015.
“Vemos esse tipo de problema nessas comunidades em toda a Europa, mas  essa combinação particular de isolamento, falta de oportunidades e  inabilidade de o Estado conseguir ser presente nesses bairros criaram  uma oportunidade única para o terrorismo na Bélgica”, considerou  Rebecca.
O papel de Molenbeek nos atos terroristas recentes em solo europeu foi,  inclusive, reconhecido pelo primeiro ministro belga Charles Michel.  “Quase todas as vezes, há uma ligação com o bairro”, disse ele dias após  os incidentes em Bruxelas. “Já tentamos a prevenção. Mas agora temos de  repreender”, declarou.
Mudanças nos padrões
Os atentados em Bruxelas revelaram ainda uma possível mudança no  comportamento e na estratégia dos terroristas. E é possível que a  pressão das ações policiais recentes, e que incluem, por exemplo, a  prisão de Salah Abdeslam, suspeito de ser um dos autores dos ataques em  Paris, tenha contribuído para que optassem por agir em seu quintal.
“Não sabemos se os atos foram uma retaliação à prisão de Abdeslam”,  comentou Yann Duzert, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “mas  foi definitivamente uma maneira de dizer que eles não serão facilmente  derrotados”, pontuou.
Especialistas notam ainda a adoção de uma tática para disseminar a  insegurança, por meio da demonstração do poder e da abrangência dos seus  atos. José Niemeyer, coordenador de Relações Internacionais do IBMEC,  crê que, daqui pra frente, os terroristas devem passar a considerar o  desenho da União Europeia e os seus problemas internos no planejamento  dos próximos ataques. 
“Os atentados na Bélgica mostram um novo laboratório, no qual estão  tentando criar uma logística mais eficaz, favorável a ataques mais  intensos e realizáveis em espaços de tempo menores”, considerou.
Ataques em Bruxelas
Os ataques na terça-feira passada deveriam ter sido executados por quatro  terroristas: três no aeroporto de Zaventem e um na estação de metrô de  Maalbeek.
No primeiro local de ataque, o aeroporto, os atos foram executados por  Ibrahim El Bakraoui e Najim Laachraoui, que morreram, e um terceiro  homem que ainda não foi identificado e que está foragido. Acredita-se  que ele tenha escapado do local depois de a sua bomba ter falhado. Já no  segundo local, a estação, quem agiu foi Khalid El Bakraoui, irmão de  Ibrahim, que também morreu. 
 Até o momento, ao menos 35 pessoas morreram e mais de 300 ficaram  feridas, mas é possível que o número de mortos continue a subir.
 
 
 
          
      
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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